Apesar da narrativa popular de que o aumento nas despesas públicas ocorre por causa da chamada “pauta-bomba” — medidas aprovadas pelo Congresso que ampliam gastos sem o aval do Executivo —, economistas destacam que a maior parte da alta nas contas públicas parte diretamente do próprio governo federal.
Especialistas apontam o Executivo como principal responsável
Evandro Buccini, diretor da Rio Bravo Investimentos, afirma que, diferentemente do que ocorreu no segundo mandato de Dilma Rousseff — quando o Congresso aprovou R$ 22 bilhões em novas despesas em 2015 — o cenário atual é outro. Segundo ele, não há hoje uma ação do Legislativo que se compare àquele período.
“Falar que o governo é vítima de pauta-bomba é exagero. Se há uma bomba, ela é suicida, pois parte do próprio Executivo”, afirma Buccini.
A crítica dele é reforçada pelo economista Alexandre Schwartsman. Ele aponta que mais de 90% da alta de R$ 210 bilhões nos gastos, entre o fim de 2022 e maio de 2025, partiu de apenas quatro áreas:
- INSS: R$ 75 bilhões
- Bolsa Família: R$ 70 bilhões
- BPC (Benefício de Prestação Continuada): R$ 30 bilhões
- Abono salarial: R$ 30 bilhões
“O governo decidiu elevar o salário mínimo, o que pressiona diretamente esses programas. A maior parte da alta nos gastos vem de escolhas do Executivo”, explica Schwartsman.
Emendas parlamentares pesam menos do que parece
As emendas parlamentares também são alvo de críticas, mas, segundo Schwartsman, o impacto delas é pequeno frente ao tamanho do orçamento federal:
- Orçamento federal anual: R$ 2,3 trilhões
- Valor das emendas parlamentares: R$ 50 bilhões
“É um problema, sim, mas de outra natureza. Não dá para dizer que elas explicam a maior parte do desequilíbrio fiscal”, completa ele.
Congresso pressiona por renúncias fiscais e programas de impacto
Bráulio Borges, economista da LCA Consultores, alerta que o Legislativo também tem responsabilidade na deterioração das contas públicas, mas por outro caminho: a queda de receitas.
Entre as medidas apontadas por Borges:
- Desoneração da folha de pagamentos: sem compensação clara, com custo de R$ 20 bilhões
- Manutenção do Perse (Programa de Retomada do Setor de Eventos): R$ 18 bilhões de renúncia em 2024
- Propag (Programa para Estados): reduz juros das dívidas estaduais, afetando a receita financeira da União
“O Propag não mexe na receita primária, mas afeta a dinâmica da dívida pública”, destaca Borges.
Ele também lembra que parte do aumento nos gastos atuais é herança da gestão anterior:
- O BPC teve forte alta em 2022, com aumento no número de beneficiários
- O Auxílio Brasil (atual Bolsa Família) subiu para R$ 600 naquele ano, valor mantido por todos os candidatos à Presidência
“Hoje, o Bolsa Família custa entre R$ 150 e R$ 160 bilhões por ano — o triplo do que era antes. O governo atual elevou o valor e adicionou benefícios. A responsabilidade é compartilhada”, analisa Borges.
Gasto fora do Orçamento preocupa analistas
Para Borges, o Executivo também adota medidas que ampliam gastos sem transparência fiscal, deixando despesas fora do Orçamento.
“Há muitos gastos escondidos em políticas parafiscais e linhas de crédito, que mantêm a economia aquecida e atrapalham o trabalho do Banco Central”, alerta o economista Gabriel Leal de Barros, da ARX Investimentos.
Barros estima que os estímulos à economia em 2025 somem R$ 376 bilhões, o equivalente a 2,9% do PIB. Esse volume dificulta o controle da inflação, mesmo com a taxa básica de juros (Selic) em 15%, o maior patamar em 19 anos.
Governo e Congresso atuam juntos na expansão dos gastos
Para Barros, não há um conflito real entre Executivo e Legislativo no campo fiscal — ambos promovem a ampliação das despesas.
Entre os exemplos dessa parceria:
- Aumento da faixa de isenção do IRPF: proposta do governo ampliada pela Câmara
- PEC 66/2023: retira precatórios do teto de gastos e cria regras mais flexíveis para dívidas previdenciárias de estados e municípios
“Executivo e Legislativo caminham juntos quando o tema é gastar mais. Não há disputa, há conivência”, resume Barros.
Ao contrário da ideia de que o Congresso impõe “bombas fiscais” ao governo, os especialistas apontam que a maior parte do aumento nos gastos públicos decorre de decisões do próprio Executivo. O cenário é agravado por estímulos fora do Orçamento e renúncias fiscais aprovadas com o apoio do Congresso. O resultado: uma pressão crescente sobre a política fiscal, com impacto direto na inflação e nas metas econômicas do país.