STF JULGA O NÚCLEO DA DESINFORMAÇÃO : Nesta semana, o Supremo Tribunal Federal (STF) concluiu um julgamento histórico que reforça a responsabilização criminal de agentes envolvidos na propagação de desinformação e em ações contra o Estado Democrático de Direito. A Corte condenou sete réus pertencentes ao chamado “Núcleo 4” — também conhecido como núcleo da desinformação —, apontado como peça central na tentativa de golpe de Estado e na disseminação de informações falsas em torno das eleições de 2022.

A decisão foi tomada pela Primeira Turma do STF, que analisou denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR). O grupo foi acusado de integrar uma organização criminosa voltada a minar a confiança nas instituições democráticas e fomentar atos violentos que culminaram nos eventos de 8 de janeiro de 2023.
Neste conteúdo, você vai entender a competência do STF para julgar o caso, conhecer os votos dos ministros com trechos destacados, compreender os fundamentos da condenação e o que deve acontecer nos próximos passos desse processo.
Competência do STF no caso
A Constituição Federal confere ao Supremo Tribunal Federal competência para julgar crimes que atentem contra o Estado Democrático de Direito, além de infrações cometidas por autoridades com foro por prerrogativa de função. O tribunal também pode atuar em casos de grave repercussão nacional, especialmente quando há risco concreto às instituições republicanas.

No caso do “Núcleo da Desinformação”, a PGR apontou que o grupo formou uma organização criminosa armada, com o objetivo de abolir violentamente o Estado Democrático de Direito, causar dano ao patrimônio público e espalhar desinformação em escala nacional.
Diante da gravidade institucional e da dimensão nacional dos atos, o STF entendeu-se competente para julgar o caso. A Corte destacou que não se tratava de um episódio isolado, mas de uma ação coordenada com potencial de desestabilizar o sistema democrático brasileiro.
Como votaram os ministros
O julgamento resultou em quatro votos pela condenação e um voto divergente. A seguir, os principais pontos dos votos proferidos.
Voto do Relator – Alexandre de Moraes
O relator do processo, ministro Alexandre de Moraes, abriu a votação com um voto contundente, de mais de duas horas, afirmando que ficou “fartamente comprovada” a existência da organização criminosa.
“Não há nenhuma dúvida, as provas são fartas.”
Moraes classificou o grupo como uma “milícia digital covarde”, que atuava por meio de ataques coordenados contra instituições públicas e autoridades.
“Essas milícias digitais não têm coragem de debater ideias. São covardes. Atacam instituições e famílias, espalham mentiras, incitam o ódio e depois se escondem atrás do falso manto da liberdade de expressão.”
“É uma falácia criminosa e antidemocrática dizer que atacar a Justiça Eleitoral, o Poder Judiciário e a democracia é liberdade de expressão. Isso é crime tipificado no Código Penal.”
O relator individualizou as condutas de cada réu, com base em mensagens, áudios e documentos que apontavam para a criação de uma estrutura paralela de inteligência — apelidada de “Abin paralela” — usada para sustentar a desinformação e atacar adversários políticos.
Seis dos sete réus foram condenados por organização criminosa armada, tentativa de golpe de Estado, dano qualificado e deterioração de patrimônio público tombado. Um deles recebeu pena reduzida por “dúvida razoável” quanto à sua participação direta.
Voto de Cristiano Zanin
O ministro Cristiano Zanin acompanhou integralmente o relator.
“Há clara divisão de tarefas que caracterizou a organização criminosa, cujo objetivo era a deposição do governo legitimamente eleito.”
“Este núcleo de réus deu contribuição efetiva na construção de uma realidade distorcida, de modo a viabilizar a instigação de atos violentos por apoiadores.”
Zanin reforçou que a atuação do grupo ultrapassou o ambiente digital, resultando em consequências reais e graves para a ordem democrática.
Voto de Cármen Lúcia
A ministra Cármen Lúcia também acompanhou o relator e proferiu um voto com forte conteúdo simbólico.
“Esta organização criminosa criou um clima de desvario delituoso formatado para se chegar, como se chegou, ao 8 de Janeiro de 2023, que foi a fase final de uma patranha coletiva, dramática e que serviu ao objetivo da organização criminosa.”
“O que há de inédito nessa ação penal é que nela pulsa o Brasil que me dói. Este julgamento é um encontro do Brasil com o seu passado, com o seu presente e com o seu futuro.”
Cármen Lúcia destacou que a desinformação sistemática é uma ameaça global, e que o Brasil deve agir com firmeza para proteger sua democracia diante de práticas coordenadas de manipulação digital.
Voto de Flávio Dino
O ministro Flávio Dino, presidente da Primeira Turma, formou a maioria pela condenação. Ele ressaltou o vínculo direto entre a desinformação e os ataques de 8 de janeiro.
“Se não houvesse fake news e desinformação, esse resultado a que estou aludindo [8 de janeiro] não teria ocorrido. Há uma relação causal absolutamente compatível com o artigo 13 do Código Penal.”
Para Dino, a desinformação foi o combustível da tentativa de ruptura institucional, o que justifica o enquadramento penal rigoroso.
Voto Divergente – Luiz Fux
O ministro Luiz Fux foi o único a divergir. Ele votou pela absolvição dos sete réus, argumentando que o STF não teria competência para julgar o caso nos moldes apresentados.
Fux sustentou que os réus não possuíam foro por prerrogativa de função e que o método de julgamento adotado violaria o devido processo legal.
Para ele, não havia provas suficientes que justificassem a condenação nos termos propostos pela PGR. A divergência foi amplamente comentada nos meios políticos e jurídicos.
Placar final e penas aplicadas
Com quatro votos pela condenação e um pela absolvição, formou-se maioria pela condenação dos sete integrantes do “Núcleo da Desinformação”.
As penas variam conforme o grau de envolvimento:
- 17 anos de prisão em regime fechado para os principais articuladores;
- entre 13 e 15 anos para os demais;
- multas e sanções acessórias previstas na legislação penal.
Todos os réus poderão recorrer da decisão, conforme o rito processual, e ainda há possibilidade de recursos com efeito suspensivo.
Fundamentos da condenação
Os votos da maioria destacaram quatro pilares principais:
- Provas robustas de que o grupo atuou como uma organização criminosa com divisão de tarefas e intenção de subverter a ordem democrática.
- Uso indevido de estruturas estatais, como uma “Abin paralela”, para espionagem e manipulação de informações.
- Caracterização penal dos ataques digitais, reconhecendo que se tratam de crimes e não de mero exercício de opinião.
- Relação direta entre a desinformação e os atos de 8 de janeiro, o que confere ao caso extrema gravidade institucional.
Impactos e próximos passos
A condenação do Núcleo da Desinformação marca um divisor de águas na luta contra as fake news e ataques digitais ao Estado Democrático de Direito.
O STF reafirma seu papel como guardião da Constituição, criando um precedente histórico para futuras ações de responsabilização envolvendo desinformação organizada e incitação ao golpe.
Outros núcleos ainda serão julgados nos próximos meses, e o caso tende a repercutir fortemente nos campos político, jurídico e social.
Mais do que um veredito, o julgamento deixa um recado claro: a desinformação sistemática e coordenada não é liberdade de expressão — é crime.
O país vive, portanto, uma nova fase de responsabilização democrática, que busca equilibrar a liberdade de expressão com a defesa das instituições e da verdade pública.