A Síndrome de Pica é um distúrbio alimentar caracterizado pelo consumo compulsivo de substâncias não comestíveis ou sem valor nutricional. O nome “Pica” deriva do latim e faz referência ao pássaro pega (do gênero Pica pica), conhecido por comer praticamente qualquer coisa. No contexto clínico, o transtorno envolve o consumo repetido e persistente de itens como terra, gelo, cabelo, tinta, papel, sabão, gesso, tecido, entre outros.
Embora o comportamento de colocar objetos na boca seja comum em bebês e crianças pequenas, a persistência desse hábito após os dois anos de idade, especialmente de forma compulsiva, deve ser vista como um sinal de alerta. A síndrome também pode ocorrer em adolescentes e adultos, especialmente quando associada a outros transtornos mentais ou a deficiências nutricionais específicas.
Segundo o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5), para que o diagnóstico seja válido, o comportamento deve persistir por pelo menos um mês, ser inadequado para o estágio de desenvolvimento do indivíduo e não estar culturalmente aceito como prática habitual. Isso diferencia a Síndrome de Pica de costumes tradicionais ou religiosos que envolvam ingestão de certas substâncias, como argila em algumas regiões do mundo.
Possíveis causas da Síndrome de Pica
A etiologia da Síndrome de Pica é multifatorial, envolvendo aspectos biológicos, psicológicos, ambientais e até culturais. Diversos estudos apontam que a deficiência de minerais, como ferro e zinco, pode levar à compulsão por ingerir substâncias não nutritivas, como terra ou gelo — comportamento conhecido como geofagia ou pagofagia.
Além disso, distúrbios do desenvolvimento neurológico, como o transtorno do espectro autista (TEA) ou a deficiência intelectual, são frequentemente associados à Síndrome de Pica. Nestes casos, o comportamento pode ser uma forma de autorregulação sensorial ou uma resposta a estímulos internos mal interpretados pelo sistema nervoso.
Fatores psicológicos também exercem grande influência. Pessoas que vivenciaram negligência, abuso ou traumas emocionais podem desenvolver o transtorno como forma de lidar com a dor ou de chamar atenção para suas necessidades não atendidas. Em ambientes de privação afetiva ou social, como orfanatos e instituições de acolhimento, há maior prevalência do distúrbio.
Por fim, em alguns casos, o hábito pode surgir em mulheres grávidas, o que reforça a hipótese de que certas deficiências nutricionais e alterações hormonais estejam diretamente ligadas ao aparecimento do comportamento. Ainda assim, não há uma única explicação definitiva, o que torna o diagnóstico e o tratamento mais complexos.

Grupos de risco: quem pode desenvolver o transtorno?
A Síndrome de Pica pode afetar pessoas de todas as idades, gêneros e origens, mas alguns grupos apresentam risco significativamente maior. São eles:
- Crianças entre 2 e 6 anos de idade: Nessa fase, ainda estão descobrindo o mundo com os sentidos, especialmente com o paladar. A persistência do hábito pode indicar Pica.
- Pessoas com deficiência intelectual ou autismo: Estudos demonstram que o transtorno é mais prevalente nesse grupo, muitas vezes como parte de um conjunto de comportamentos repetitivos.
- Mulheres grávidas: Alterações hormonais e carência de minerais podem desencadear o desejo por substâncias incomuns.
- Pessoas em situação de pobreza extrema ou negligência social: A privação de alimentos e cuidados pode levar à ingestão de itens não alimentares.
- Indivíduos com transtornos mentais, como esquizofrenia ou TOC: A compulsão pode ser parte de um quadro psiquiátrico mais amplo.
É importante notar que o risco não está limitado a esses grupos. Adultos sem histórico clínico prévio também podem desenvolver o distúrbio, especialmente em momentos de forte estresse emocional ou deficiência nutricional.
Complicações e consequências para a saúde
Os riscos à saúde decorrentes da Síndrome de Pica são graves e, em muitos casos, silenciosos. A ingestão de substâncias não comestíveis pode causar:
- Intoxicações: Substâncias como tinta, sabão, plástico ou metais pesados podem gerar intoxicação aguda ou crônica.
- Obstrução intestinal: O acúmulo de objetos como tecido, cabelo ou papel pode bloquear o trato gastrointestinal.
- Perfurações e lesões internas: Objetos cortantes ou duros podem causar feridas no estômago ou intestinos.
- Parasitoses: Comer terra ou fezes pode facilitar a entrada de parasitas, como lombrigas ou amebas.
- Problemas dentários: Mastigar objetos duros, como pedras ou gelo, pode provocar fraturas nos dentes.
Além das consequências físicas, há o impacto psicológico e social. A vergonha, o isolamento e a falta de compreensão por parte da sociedade podem agravar o sofrimento emocional do indivíduo. Por isso, o diagnóstico precoce e a abordagem multidisciplinar são fundamentais.
Como é feito o diagnóstico?
O diagnóstico da Síndrome de Pica envolve uma combinação de avaliação clínica, observação comportamental e exclusão de outras condições médicas. Não há um exame laboratorial específico que identifique o transtorno. O profissional de saúde — geralmente psicólogo, psiquiatra ou pediatra — investigará os seguintes critérios:
- Duração do comportamento (mais de um mês);
- Presença em idade ou estágio de desenvolvimento inadequado;
- Frequência e tipo de substâncias ingeridas;
- Possíveis deficiências nutricionais;
- Contexto familiar, social e psicológico do paciente.
Também podem ser solicitados exames laboratoriais para investigar a presença de anemia, intoxicação por metais pesados, distúrbios metabólicos ou parasitas. Em casos mais graves, exames de imagem, como raio-X ou endoscopia, podem ser necessários para avaliar obstruções ou lesões internas.
Abordagens terapêuticas e tratamentos recomendados
O tratamento da Síndrome de Pica deve ser individualizado e multidisciplinar. Envolve uma combinação de:
- Acompanhamento psicológico ou psiquiátrico: Terapias comportamentais, como a Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC), são eficazes para modificar padrões de pensamento e comportamento compulsivos.
- Suplementação nutricional: Quando há deficiências comprovadas, o uso de suplementos de ferro, zinco ou outros nutrientes pode reduzir os impulsos.
- Acompanhamento médico regular: Para monitorar riscos físicos e tratar possíveis complicações decorrentes do comportamento.
- Intervenções educacionais: Especialmente em crianças, é essencial orientar pais e professores sobre como lidar com os episódios e promover estratégias de prevenção.
- Farmacoterapia: Em alguns casos, medicamentos psiquiátricos podem ser indicados, principalmente quando o transtorno está associado a outras condições, como ansiedade, depressão ou esquizofrenia.
O sucesso do tratamento depende do grau de comprometimento do paciente, da adesão da família e da compreensão social em torno do distúrbio.
O papel da família e da sociedade no acolhimento
O estigma em torno da Síndrome de Pica ainda é um obstáculo significativo. Muitas pessoas afetadas escondem seus comportamentos por vergonha ou medo de julgamento. Nesses casos, o apoio da família é crucial para garantir acolhimento, tratamento adequado e reinserção social.
A sociedade, por sua vez, precisa abandonar estigmas e buscar mais informação. Instituições de ensino, empresas e redes de saúde devem promover campanhas educativas sobre transtornos alimentares menos conhecidos. Ao tornar o tema visível, cria-se um ambiente mais seguro para que as pessoas busquem ajuda.
Casos famosos e estudos científicos relevantes
Embora pouco divulgado na mídia, a Síndrome de Pica já foi tema de reportagens, documentários e estudos acadêmicos. Um exemplo marcante é o de uma jovem norte-americana que desenvolveu o hábito de comer sabão e esponjas — caso documentado no programa My Strange Addiction da TLC. No Brasil, há registros em estudos acadêmicos de ingestão de objetos como plástico e papel, especialmente em contextos de vulnerabilidade social.
Na literatura científica, pesquisas publicadas em periódicos como o Journal of Pediatrics e o International Journal of Eating Disorders reforçam a conexão entre Pica e deficiências nutricionais, especialmente em mulheres grávidas e crianças.
Esses estudos são fundamentais para compreender o fenômeno em sua totalidade e criar políticas públicas de saúde mais eficazes.
Dicas de prevenção e atenção aos sinais
A prevenção da Síndrome de Pica passa pela informação, observação e acompanhamento. Algumas ações recomendadas incluem:
- Observar mudanças no comportamento alimentar;
- Manter uma alimentação balanceada rica em ferro, zinco e outros nutrientes;
- Evitar o acesso a substâncias perigosas;
- Buscar orientação profissional ao menor sinal de comportamento persistente anormal;
- Estimular o diálogo aberto sobre saúde mental em casa e na escola;
- Fortalecer o vínculo familiar e oferecer atenção emocional regular.
Quanto mais cedo forem identificados os sinais, maiores são as chances de reversão do comportamento com o tratamento adequado.
Conclusão
A Síndrome de Pica é um distúrbio alimentar complexo, frequentemente negligenciado, mas que exige atenção médica e social. Com implicações sérias para a saúde física e mental, o transtorno merece visibilidade e tratamento adequado, longe de estigmas ou julgamentos.
É fundamental promover a conscientização, capacitar profissionais da saúde, educar famílias e quebrar o silêncio em torno de comportamentos incomuns, mas que podem ser sintomas de algo muito maior. Ao compreender a Pica como uma condição de saúde mental, abrimos espaço para o acolhimento e a recuperação de quem convive com ela.
Fontes: https://www.apa.org/pubs/books/dsm-5,
http://Iron deficiency and pica,
https://journals.lww.com/jpgn/fulltext/2016/06000/clinical_manifestations_of_pica.1.aspx
https://journals.lww.com/jpgn/fulltext/2016/06000/clinical_manifestations_of_pica.1.aspx
Perguntas Frequentes sobre a Síndrome de Pica
1. A Síndrome de Pica tem cura?
Sim, com tratamento multidisciplinar e suporte familiar, muitos casos apresentam melhora significativa ou até remissão completa.
2. Comer gelo é considerado Pica?
Sim, a pagofagia (compulsão por gelo) pode ser uma forma de Pica, especialmente quando associada a anemia.
3. Como saber se o comportamento é normal ou patológico?
Se o comportamento é persistente, inadequado à idade e envolve substâncias não alimentares, deve ser investigado por um profissional.
4. Existe medicação específica para tratar a Pica?
Não há uma medicação específica, mas medicamentos psiquiátricos podem ser usados quando o transtorno está associado a outras condições.
5. A Síndrome de Pica afeta mais mulheres ou homens?
Afeta ambos os sexos, mas estudos indicam maior prevalência em mulheres, especialmente durante a gravidez.